Novembro Azul: Cura do Masculino
Novembro Azul é a campanha de conscientização realizada por diversas entidades dirigidas a sociedade, e em especial aos homens, a respeito das doenças masculinas, com ênfase na prevenção e diagnóstico precoce do câncer de próstata.
Lógico que é focada na saúde física! Mas, eu gostaria que além de olharmos para a questão da saúde física, pudéssemos avaliar a questão da saúde emocional e mental do masculino. Não acredito que uma seja mais importante que a outra, mas acredito que uma impacte muito na outra e estejam interligadas.
Este artigo foi escrito em parceria com Maristela Nardy, consteladora, pois em Setembro fizemos uma “Live” sobre a liberdade do masculino frente a limitação imposta ao feminino.
Sabemos que o homem sempre gozou de uma liberdade que a mulher nunca teve, pois dele nunca foi tirado o poder jurídico e constitucional, ou seja, o direito de ser gente, de ser humano, como aconteceu com a mulher.
Mas será que essa liberdade é tão ampla e empoderadora quanto parece?
A situação do homem, sem dúvida, é melhor do que a da mulher, mas quero te convidar a observar alguns pontos através da visão sistêmica e analisar alguns dados estatísticos, como fizemos na “Live” das Deusas: o que foi exigido dos homens no passado, que chega a eles através do inconsciente coletivo, da pressão sistêmica familiar e o que é esperado deles hoje.
Comecemos relembrando a 2ª Lei do Amor de Bert Hellinger: o PERTENCIMENTO, para podemos entender o quanto os homens limitaram suas vidas ou tiveram que adaptar sua personalidade para poderem ser aceitos no grupo familiar e na sociedade.
Vamos começar listando o que era esperado do masculino no passado e o que é esperado hoje, para podermos comparar.
E o que esses dados nos mostram? Que há uma pressão para que se adequem aos padrões e expectativas. Pressão não só da sociedade, mas também da família, pois ensinamos aos nossos filhos o que achamos importante para que eles sejam aceitos, para que não sejam excluídos ou ridicularizados. O incrível é que fazemos isso por amor.
Ao fazermos uma pesquisa na internet sobre o masculino, notamos que quase não havia resultados sobre isso e, os poucos existentes, falam um ou dois parágrafos sobre masculinidade e mudam para o feminino.
Isso chamou nossa atenção: Por que não existem artigos ou pesquisas sobre o que os homens sentem ou sofrem? Será que só mulheres leem sobre sentimentos, comportamentos e sofrimentos? E, se assim for, só se interessam por sentimentos femininos?
Claro, existe a parte de fisiológica da coisa: normalmente o homem tem menos necessidade de falar, o que o leva a se questionar menos.
E tem a parte social, que considera o autoconhecimento algo feminino, afinal, homem não sente, não chora…
Homens aprendem cedo a reprimir emoções e a não falar sobre medos, dores ou tristezas. Nas conversas masculinas, os temas mais bem vistos são esportes, mulheres e negócios. Os sentimentos possíveis de se trazer como tópico, são raiva e fúria.
Uma frase que comumente ouvimos ainda hoje quando um menino chora é: “Que comportamento vergonhoso, homem não chora”.
Pois é, indo nessa mesma linha, a única coisa que achamos de mais relevante sobre o masculino, foi um documentário americano chamado “The mask you live in”, que trata da crise dos meninos nos EUA e que, como verão, não difere muito da nossa realidade.
Homens adultos foram convidados a falar de suas memórias com o pai e seus “ensinamentos” sobre o masculino. A maioria se lembrava de brincadeiras de luta ou coisa similar e de que, quando caíam ou se machucavam, ouviam a frase: “Seja homem!”, a qual classificaram como uma das mais destrutivas da sociedade americana, porque gerava neles um medo de não darem conta, uma insegurança enorme, um peso assustador e a sensação de incapacidade.
Lembraram também de tudo que faziam para poderem orgulhar o pai e receber dele o que mais queriam, ou segundo um deles, desejavam desesperadamente: amor e carinho.
Verdade, o medo de serem vistos como fracos ou “mulherzinhas” perante o pai e todos os outros homens começa nos primeiros momentos da infância e continua por toda vida. Ou seja, eles passam a vida inteira tendo que reafirmar sua posição, tendo que provar que não são fracos, que não são gays e que são os melhores.
A sociedade os coloca nessa situação, determinando e definindo desde antes do nascimento o que é masculino e o que é feminino. Por mais que não percebamos, já definimos a cor do quarto, o tipo de mobília, decoração, roupa e os brinquedos que daremos ao bebê assim que sabemos o sexo.
E há todo um sistema que os vigia, através de uma ameaça velada de exclusão do grupo de amigos. Além disso, sentem-se forçados a se distanciar dos amigos que não são aceitos, para que também não sejam rejeitados.
Listamos aqui algumas das frases que foram citadas pelos homens do documentário, sobre como aprenderam a masculinidade:
- “Homem não chora”
- “Mostrar emoção é mostrar fraqueza”
- “Se estiver com dor, aguente”
- “Revide”
- “Seja o melhor”
- “Vá além, esforce-se para ser melhor, mais forte, mais rápido”
- “Ser mulherengo faz parte do homem”
- “Tenha foco no financeiro”
- “Nunca recue por nada”
- “Leve tudo ao extremo”
- “Homem ter que ser dominante, ter controle”
Ou seja, eles são estimulados a competir, a brigar e a reprimir os sentimentos.
Um deles mencionou uma frase que adoramos: “Somos estimulados a comparar nossa “performance” com os demais, para que melhoremos a nossa e possamos ser “o Melhor”.
Como diz o ditado: “Comparação é o ladrão da felicidade”, então somos levados a estar sempre insatisfeitos, infelizes e correndo atrás do primeiro lugar, pois qualquer outro é desonroso.
E aí, caso você não consiga ser o melhor, acha alguém mais fraco e o humilha, abusa física ou emocionalmente para se sentir superior.
Eles citaram também algumas crenças da sociedade americana, que não são muito diferentes das nossas:
- Masculinidade está associada à habilidade atlética (tamanho, força, agilidade etc.)
- Masculinidade está associada ao sucesso econômico e ao poder.
- Masculinidade está associada às conquistas sexuais
Isso cria entre os meninos uma hierarquia de dominação, onde os durões estão no topo e os fracotes e as meninas estão embaixo.
E vem daí a origem do sexismo e da homofobia.
No sexismo: as mulheres são inferiores.
Na homofobia: gay é o homem que “envergonha” o clã, que é fraco, que parece mulher.
Segundo este vídeo:
- 50% dos meninos sofre violência física.
- 1 em cada 6 meninos é abusado sexualmente.
- 1 em cada 4 meninos (25%) dizem sofrer “bullying” na escola.
E apenas 30% deles notifica um adulto pelo medo de ser visto como fraco. Dos que relatam, muitos ainda ouvem: resolva, seja homem, resolva.
Interessante que, para conquistar a masculinidade, passam a ter que rejeitar tudo o que é considerado feminino, como se homens e mulheres fossem dois seres completamente distintos, como se não fossem da mesma espécie e não tivessem questões, dores, sentimentos, entre tantas características em comum.
Rejeitando o feminino estão rejeitando a mãe e, consequentemente, 50% deles mesmos.
Vamos entender esse antagonismo: nossa sociedade cria garotos para se tornarem jovens, cuja identidade se baseia na rejeição do feminino. Depois ficamos surpresos quando eles não veem as mulheres como seres humanos completos e as desrespeitam no nível mais básico.
Pensando por este prisma, podemos dizer que o incentivo à violência como prova de masculinidade, gera:
- Crianças abusadas e negligenciadas têm 9x mais chances de se envolverem em crimes
- A cada hora + de 3 pessoas são mortas por arma de fogo, são mais de 30.000 vidas perdidas por ano.
- 90% dos homicídios são cometidos por homens e destes, quase 50% têm menos de 25 anos.
- 94% dos homicídios em massa são cometidos por homens. O mais jovem tinha 11 anos.
Pergunta: “Se nos EUA homens e mulheres têm o mesmo acesso às armas, o que vocês acham que gera um resultado tão discrepante?
A questão é que, quando meninos, podem ter amigos que apoiam e trocam sentimentos, mas, por volta dos 15 anos, é esperado que não sejam mais tão íntimos, pois há uma ilusão de que todo sinal de intimidade é potencialmente um sinal de homossexualidade.
Às vezes soltam frases como: somos amigos, mas sem viadagem.
Então se afastam emocionalmente dos amigos e esse afastamento gera solidão e depressão.
A depressão feminina é mais fácil de se reconhecer porque é mais recolhida, mais quieta, não responsiva.
Já os garotos, quando estão entrando em depressão, agem da maneira oposta: ficam agressivos, explosivos, tendem a gritar com as pessoas e falar palavrões. E isso é visto como um desvio de conduta, como algo que pode estar sendo gerado pelo grupo com quem convivem. E antes que surjam os sintomas de depressão mais conhecidos, esse jovem pode se suicidar.
E isso é muito sério! Para você ter uma ideia disso no cotidiano, em números:
- A cada dia, 3 ou + meninos cometem suicídios.
- Suicídio é a 3ª causa de morte mais comum para os meninos.
- A taxa de suicídio de meninos chega a ser 7x maior do que das meninas.
E o que é extremamente sério:
- Meninos têm mais chances de largarem a escola.
- Meninos têm 2x mais chances de precisar de reforço escolar.
- Meninos têm 3x mais chances de serem diagnosticados com DDA.
- 2x mais chances de serem suspensos.
- 4x mais chances de serem expulsos.
- 31% dos homens se sentem viciados em vídeo games, principalmente naqueles cujo objetivo é destruir o inimigo e dominar.
- 90% dos jogos considerados apropriados para crianças acima de 10 anos contém violência.
- Um garoto comum de 18 anos, já viu em média 200.000 atos de violência na tela, incluindo 40.000 assassinatos.
- 93% dos meninos são expostos à pornografia na internet e a maioria deles aprende sexo através desses vídeos eróticos, que mostram estupros, violência, entre outras coisas.
- A exposição à pornografia aumenta a agressão sexual em 22% e aumenta a aceitação de mitos, tais como, mulheres querem ser violentadas em 31%
- Meninos aprendem que devem estar sempre à caça.
- A cada 9 segundos uma mulher é espancada ou atacada.
- 35% dos estudantes universitários pensam na possibilidade de estuprar e, só não o fazem, por medo de serem pegos pela polícia.
- 1 em cada 5 mulheres universitárias é vítima de violência sexual ou de sua tentativa.
E o que fazem para compensar esse afastamento de uma maneira mais bem vista pela sociedade?
Bebem e usam drogas! Sim, burlam as regras de terem que ser fortes e contidos através da bebida e do álcool que, além de aliviarem a pressão emocional, são a desculpa perfeita para as reações posteriores. Como assim? Quando se está bêbado, pode-se abraçar os amigos, dizer o quanto os ama e, principalmente, pode-se fazer sexo com uma garota sem sentir medo.
- Aos 12 anos, 34% dos meninos já começam a beber.
- Aos 13, a maior parte já experimentou drogas.
- 1 em cada 4 meninos bebe compulsivamente (5 ou + copos seguidos).
Infelizmente, a liberdade masculina não é tão libertadora quanto imaginamos e o machismo é tão ruim para os homens quanto para as mulheres.
Um dado cruel sobre o masculino no Brasil, é que este é o país que mais mata gays, travestis e transexuais. E somente em junho/2019, o STF (Supremo Tribunal Federal) aprovou uma lei em que a discriminação por orientação sexual e identidade de gênero passe a ser considerada um crime.
Somente quando conseguirmos viver sem julgamentos, classificações, barreiras e regras, é que conseguiremos ser realmente livres, poderemos ser quem realmente somos.
Diante disso tudo, minha pergunta é: “Não seria hora de transformamos o Novembro Azul em Novembro de Acolhimento ao Masculino”?
E entendermos a dor que estes dados trazem para a família como um todo?
Será que não precisamos começar a olhar para o emocional dos nossos homens e dizer-lhes que está tudo bem eles também sentirem?
Que, como mulheres, podemos ensinar, acolher e viver com eles emocionalmente?
Se você tiver algum comentário, deixe abaixo ou nos contate.
E se puder, divulgue este texto para seus amigos e amigas; afinal, queremos uma sociedade onde todos possam ser saudáveis, felizes e aceitos como são, sem julgamentos ou expectativas irreais.
Sem o acolhimento do masculino, nunca teremos uma saúde emocional e mental e não estamos falando sobre masculino ou feminino, independente do gênero, somos todos SERES HUMANOS.
Abraços,
Regina Silva
The Mask You Live In (A Máscara em que Você Vive)
2015 • Documentário
Diretora: Jennifer Siebel Newsom
Sinopse: “Como a ideia do macho dominante afeta psicologicamente crianças, jovens e, no futuro, adultos nos Estados Unidos.”
Belo texto. Ser Homem transcende o macho(cado). O papel transformador de novas gerações , dialeticamente, sem reforçar o machismo, creio que deve se iniciar no pai consciente, sem a perpetuação da mesmice simplista. 😉